Era um menino prodígio muito peculiar : lia livros apenas
até metade da estória.
Debaixo dos lençóis, com a ajuda de uma pequena lanterna.
À medida que a leitura decorria , o entusiasmo esmorecia.
Era como se fosse um membro da assistência percebendo
o truque mágico da mulher serrada a meio.
E ficasse fascinado apenas por uma das partes.
Porém, não ficava triste, pois o entusiasmo, como um cigarro
mal apagado, reacendia-se sempre na abertura de um novo livro.
Quando se sentia aborrecido, deixava que a memória se recreasse,
baralhasse as cartas do sonho: cosia um romance de aventuras a um
enredo existencialista, um livro de poemas a um ensaio de teoria política.
O menino fez-se adulto, o adulto fez-se velho; o velho fez-se pó ou cinza.
Levou a sua vida até ao fim, ao contrário da sua biblioteca, composta
por tantas e tantas vidas cortadas ao meio.
Bruno Sousa Villar
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5 comentários:
Dilacerante!
Obrigado, caro sulfúrico.
Fuertisimo, me encantó! Un abrazo
Talvez triste, talvez não! O final sempre em aberto. Gostei muito, obrigada.
Há finais de estórias que apenas o leitor pode escrever. Óptimo poema, Bruno.
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