quinta-feira, 29 de abril de 2010

esquerdino

hoje sei que nunca compreendi verdadeiramente a voz daquela mulher que tricotava o céu com a lã desvelada do seu amar hipnótico. eu, olhando para baixo, tudo o que conseguia ver era o afã maldito das ovelhas em ruínas. e, com a curiosidade tingida de ciúme, às aves imprevisíveis chamava fugitivas. tirava-lhes fotografias para vender, acreditando que o dinheiro serve para ver mundo. aquela voz falava, antes, cantava de uma flor primaveril, flor para além do tempo caduco. cada um dos seus dedos insistia em transformar-se na mais fina porcelana por entre o rasto aberto nos meus cabelos. o arado mudando para sempre a forma do mar. a sua carícia durava o capricho de um fósforo que alumia eternamente. a pólvora de um beijo. nela, vi-nos pela primeira vez a todos como bombas-relógio made in china que acabarão eventualmente por explodir a um preço módico. mas não quis assim, porque ela ensinou-me a tomar amor de imersão. um dia saí de casa para ganhar dinheiro como um homem a sério, qual um verbo rumo ao presente incondicional adormecendo perto do futuro-mais-que-imperfeito. sinto saudades do teu assalto à mão amada. de ouvir-te a voz incendiada dizer que amar é o nosso único direito. de descompreender que o amor é o nosso único defeito. e que o coração é canhoto, não importa em que peito